LIVE NIRVANA INTERVIEW ARCHIVE January 21, 1993 - Rio de Janeiro, BR
Personnel
- Interviewer(s)
- Rosanna Alberti
- Márcia Conçalves
- Interviewee(s)
- Kurt Cobain
Sources
Publisher | Title | Transcript |
---|---|---|
Backstage | FACE A FACE COM O LÍDER DO NIRVANA | Yes |
Transcript
Num festival como o Hollywood Rock o que vale mesmo é o tão comentado “esforço de reportagem”. Às vezes perde-se um dia inteiro em busca de uma entrevista exclusiva e nada! Mas e quando acontece o contrário? Ou seja, você consegue a exclusiva mais disputada do momento sem o menor esforço?! Não, isso nunca acontece, você pensaria ... e nós também pensamos! Mas quando o artista em questão é Kurdt Cobain tudo é possível, ainda mais porque ele emergiu do underground e é nele que o líder do Nirvana acredita. Depois de ser “enrolado” para dar uma entrevista ao jornal O Globo, Kurdt se convenceu ainda mais da credibilidade dos veículos alternativos e disse que só concederia entrevista para uma publicação que fosse underground. Conclusão – BACKSTAGE foi a única revista do Brasil que conseguiu conversar com Mr. Cobain.
Ter um momento de exclusividade com ele, por menor que fosse, parecia algo inatingível. No entanto, depois chegamos ao estúdio e o encontramos ao lado da mulher Courtney Love (da banda Hole), disputando o telefone para falar com a filha de 5 meses que havia ficado nos EUA, começamos a descobrir que nada era impossível. Ele veio nos cumprimentar e só então pudemos ver que ele é um cara simples, de aparência frágil e que de forma alguma espelha o sucesso conseguido com os mais de 8 milhões de cópias vendidas do álbum “Nevermind”.
O jeans em trapos, a camiseta surrada, o tênis velho e a bolsa hippie, atravessada ao corpo, atestam que Kurdt parece ter passado imune ao sucesso, e que ele ainda tem muito daquele garoto que há bem pouco tempo atrás vibrava com o Black Flag na entediante Aberdeen.
Nossa entrevista tenta mostrar quem realmente é Kurdt Cobain, líder de uma das bandas de Rock mais importantes dos anos 90; uma personalidade em conflito que não fala sobre drogas, se preocupa com problemas do mundo e que gostar de colecionar fanzines.
BACKSTAGE: A primeira coisa que queremos te perguntar é justamente o por que de você ter se interessado em dar a entrevista para uma revista independente, com todo o sucesso que o Nirvana atingiu.
KURDT: Eu não leio essas revistas grandes, elas são muito estúpidas. Geralmente os jornalistas não escrevem bem e não dão valor às bandas underground. Eu só leio fanzines, gosto muito de punk rock e é sobre isso que gosto de ler.
BACKSTAGE: É verdade que o Black Flag foi o grupo que te levou a querer montar a tua própria banda?
KURDT: Definitivamente eles me influenciaram a tomar essa decisão. Eu sempre quis ter uma banda e já tocava em algumas antes mesmo de ouvir falar de Black Flag. O primeiro show que vi na vida foi deles, aliás foi o primeiro show de Punk Rock, antes disso eu já tinha visto o Sammy Hagar e não gostei nem um pouco.
BACKSTAGE: O Nirvana assinou um contrato com a David Geffen Company que tem a duração de dois álbuns mas você disse certa vez que , quando o contrato terminasse, você poderia voltar para uma gravadora menor ...
KURDT: ... é lógico. Não importa em que gravadora você esteja, basta que as pessoas façam um bom trabalho e coloquem nosso disco nas lojas. Eu não dou a mínima importância para todo o resto. Uma das minhas gravadoras favoritas é a “K Records”, do Kalvin Johnson, da banda Beat Hapening. Você conhece esse grupo?
BACKSTAGE: Não.
KURDT: Eles são de Olympia, uma cidade onde morei durante alguns anos. Eles têm essa gravadora independente, muito pequena, e é a minha gravadora preferida. De fato, quando estávamos escolhendo a gravadora, tivemos um série de convites de gravadoras grandes e pequenas , e ficou difícil escolher entre as grandes e a “K Records” porque para nós não interessa, basta que possamos fazer nossos discos.
BACKSTAGE: ... e fazê-los da maneira que vocês querem ...
KURDT: ... é lógico, isso é o mais importante.
BACKSTAGE: Algumas vezes vice parece se aborrecer bastante com o sucesso que o Nirvana alcançou. Qual é o lado mais difícil do sucesso para você?
KURDT: Basicamente as mentiras e fofocas. Eu não gosto de ver as pessoas julgando e avaliando meu comportamento e a proposta da banda. Muitas vezes eu dou uma entrevista de 10 minutos e o cara diz um monte de besteiras, escreve que nós tomamos drogas o tempo todo, que nós machucamos as pessoas, isso tudo é um monte de merda. Isso é certamente a pior coisa de ter sucesso ...
BACKSTAGE: ... geralmente querem invadir a sua vida pessoal ...
KURDT: ... muito! Eles reviram o nosso lixo, nos seguem por toda a parte, tiram fotos ... isso me aborrece. Mas nós não chegamos ao ponto de precisar de guarda-costas. Quando viajamos para países diferentes como este, precisamos de guarda-costas porque eles sempre falam o idioma local e nos ajudam traduzindo o que as pessoas falam. Mas em casa nós não precisamos deles. Muitos rockstars têm guarda-costas mas nós tentamos levar nossas vidas da forma mais normal possível. Muitas vezes as pessoas “enchem o saco” pedindo autógrafos bem no meio do meu jantar, quando saio para ver algum show, num clube punk qualquer, tem sempre algum drogado querendo brigar comigo só por achar que eu sou um rockstar rico, essas coisas me aborrecem.
BACKSTAGE: Você pode fazer uma comparação entre comportamento das pessoas, não só o público mas também a imprensa, aqui e nos outros países onde o Nirvana tenha tocado?
KURDT: Definitivamente o público daqui e da Argentina é muito diferente do americano, os fãs são muito “animados”, muito mesmo. Eu gosto disso, é muito legal. Só é chato se durar muito tempo. Não é bom assinar centenas de autógrafos toda a vez que eu saio do hotel, mas eu lido bem com esse tipo de coisa ... ah, e tem uma coisa que eu acho muito legal no fãs brasileiros, eles são super educados e tem o maior respeito por nós, a garotada fica em fila, esperando a sua vez de pegar o autógrafo e depois te agradecem e elogiam, eu gostei muito disso!
BACKSTAGE: Algum amigo seu já havia te falado sobre o Brasil, por exemplo, alguém que já tivesse tocado aqui?
KURDT: Eu não ouvi falar de muitas bandas que tenham tocado por aqui ... Acho que o Ramones estiveram aqui a pouco tempo, não foi?
BACKSTAGE: É, eles tocaram aqui duas vezes e foi a maior confusão. Na primeira vez um garoto foi esfaqueado e na segunda vez soltaram uma bomba de gás lacrimogênio no público ...
KURDT: ... mas por que?
BACKSTAGE: ... ninguém sabe dizer ao certo, parece que foram os skinheads ...
KURDT: ...Jesus Cristo! Eu ODEIO skinheads, todo mundo detesta skinheads, acho que eles mesmos se odeiam!
BACKSTAGE: ... É, você tem razão. Agora voltando ao papo dos guarda-costas, você ainda consegue andar tranquilamente pelas ruas de Aberdeen (Cidade onde Kurdt nasceu, n.t.) ?
KURDT: Não, não consigo. Bom, também quase não vou lá, só uma vez ou outra, quando resolvo visitar minha mãe, ela ainda mora lá. E quando vou não fico andando pelas ruas, é uma cidade muito chata, não tem nada para se fazer lá!
BACKSTAGE: Você pode fizer como é Aberdeen?
KURDT: É muito pequena, cheia de árvores, as pessoas bebem muito álcool, os homens são todos metidos a machões, eles batem em suas mulheres e está cheia de gente racista. Eu não tenho muitos amigos que tenham continuado a morar lá depois de adultos.
BACKSTAGE: Uma vez eu li uma entrevista onde você dizia ter tido uma infância muito difícil em Aberdeen porque você não tinha como ter informações sobre música por lá ...
KURDT: ... é, naquela época tudo era muito difícil, adora as coisas melhoraram muito. Até o fato de sermos de lá despertou maior interesse para a música nas pessoas. Desde que nos tornamos famosos começaram a aparecer muitas bandas, principalmente de punk rock, em Aberdeen.
BACKSTAGE: Em suas letras você sempre dá muita ênfase aos seus amigos. Como está seu relacionamento com eles e como é o seu relacionamento com seus novos amigos?
KURDT: Meus amigos são sempre meus amigos. Eu não os trato de forma diferente e eles ainda me tratam da mesma forma. Nós saímos juntos e nos divertimos muito. Vamos aos shows juntos e sempre visitamos uns aos outros. Quanto a fazer novos amigos, bem, isso aí é mais difícil, mas também eu não estou procurando mais amigos, eu tenho 5 ou 6 amigos de verdade e é isso que uma pessoa precisa. Eu não preciso de 1 milhão de amigos. Por outro lado eu sou um cara bastante sociável e sempre dou uma chance para que as pessoas se aproximem de mim, fiz alguns amigos novos durante as últimas tours.
BACKSTAGE: Tipper Gore, além de ser esposa do vice-presidente dos E.U.A, é também a presidente do P.M.R.C., você acha que os problemas com a censura vão aumentar por causa disso?
KURDT: Não, ela não tem poder para fazer nadam acho até que ela vai desistir do P.M.R.C., não é uma coisa muito popular. Muita gente está se unindo para lutar contra a censura e ela ficou numa posição muito delicada agora. Eu não ligo para nada disso. Nós vamos continuar fazendo shows para ajudar na luta contra a censura, falo sempre contra a censura em minhas entrevistas. Não ligo para ela, aliás eu estou muito satisfeito com o fato de Clinton ser o nosso novo presidente, ele é uma pessoa muito mais legal do que é George Bush. Bush é um cara de direita, um fanático religioso, ele é um “asshole”, muitas vezes eu desejei que ele fosse assassinado ... mas agora ele se foi e Clinton é um democrata, ele demonstra publicamente suas idéias de esquerda.
BACKSTAGE: Você acha que o fato de ter tido um filho te mudou de alguma forma?
KURDT: Essa é uma pergunta difícil, nem sei como responder ... eu amo tanto a minha filha que eu faria qualquer coisa por ela, eu mataria por ela! Eu fiquei muito triste agora a pouco no telefone porque já fazem 10 dias que eu não a vejo, é muito difícil ficar tanto tempo longe dela, ela só tem 5 meses, sabe como é? Acho que não mudei realmente. Eu sempre adorei crianças. Eu já fui baby sister, já trabalhei como instrutor esportivo de crianças. Acho que a única coisa que mudou é o fato de eu estar mais feliz. Atualmente tudo que tenho de fazer quando estou triste é pegar o meu bebê, dar um beijinho nela, dizer oi e ela vai me fazer sorrir.
BACKSTAGE: Por que vocês não a trouxeram para cá?
KURDT: Nós não sabíamos muito sobre o Brasil. Nos disseram que aqui faz muito calor, ela é tão pequenininha que nos tivemos medo dela se queimar no sol ou ficar doente por causa da água, achamos melhor deixá-la em casa.
BACKSTAGE: Mudando um pouco de assunto, qual a sua opinião sobre a guerra do Golfo?
KURDT: Acho que o Sadam é um demônio, ele é um cara muito mau. Eu não gosto da guerra, detesto a idéia de ver pessoas se matando, mas quando há algum problema ela é necessária. Só que esse não é o caso, o que acontece lá é apenas um jogo de interesses financeiros. Mas os exércitos americanos tem estado muito ocupados em coisas mais importantes, desde que Clinton assumiu. Eles estão fazendo um trabalho muito bom na Somália, ajudando as pessoas. Eu quero realmente que os E.U.A se envolvam mais com os problemas da Bósnia. É uma atrocidade o que está acontecendo por lá! É literalmente tão grave quanto os campos de concentração na Alemanha nazista, na segunda guerra mundial ... esse assunto realmente me deixa triste, é muito difícil falar sobre isso mas é preciso alertar ao máximo as pessoas. Há locais lá que são literalmente “campos de estupro”. Eles colocam as mulheres nesses locais e elas são estupradas todos os dias, repetidamente o dia todo, pelos guardas que as mantém lá. Essa é a coisa mais horrível que já ouvi! Os E.U.A estão tentando fazer algo e o Chris, nosso baixista, é iugoslavo e vai para a Iugoslávia para tentar montar uma organização que possa ajudar a tirar essas mulheres de lá, de alguma forma. Nós também queremos ajudar, não sabemos ainda como, mas vamos tentar fazer algo, pelo menos nós temos sempre buscado informar as pessoas sobre o que está havendo por lá. Nem todo mundo sabe disso e esses estupros tem acontecido todos os dias, há muitos meses, é uma coisa horrível. Eu tenho me sentido um inútil, quero fazer algo para ajudar.
BACKSTAGE: Todos esses problemas que tem acontecido pelo mundo certamente estão passando para a sua música ...
KURDT: ... 100%! Eu não quero sair por aí pregando uma idéia, eu seria um chato se fosse assim. Em primeiro lugar nós subimos num palco para divertir as pessoas e tocar música, é isso que elas querem ouvir. Mas não podemos ignorar as coisas que tem acontecido, principalmente porque são as coisas que me chateiam.
BACKSTAGE: Você pode nos dizer como vai ser o show aqui no Rio?
KURDT: Eu não sei!
BACKSTAGE: Vai ser uma festa como foi no show de São Paulo?
KURDT: Provavelmente. Nós fazemos muito esse tipo de coisas, nós gostamos de nos divertir. Uma vez tocamos na Suécia e, quando saímos do palco, depois do Bis, olhamos para o lado esquerdo e havia uns 100 garotos atrás dos portões que não puderam ver o show porque não tinham dinheiro. Eu, o Chris e o Dave abrimos os portões, levamos todo mundo para o palco e tocamos mais umas cinco músicas. Os garotos ficaram dançando por lá! ...
BACKSTAGE: ... eles devem ter adorado!
KURDT: ... Eles ficaram loucos. Não podiam entrar no show e de repente estavam em cima do palco! Uma outra vez, quando tocávamos em Seattle mesmo, com o Mudhoney, ... o que foi mesmo que aconteceu? ... ah, sim, havia dois garotinhos, de mais ou menos 7 e 9 anos, respectivamente. Eles estavam assistindo ao show, do lado do palco, e durante o Bis nós puxamos os meninos para o palco, eu dei minha guitarra para um deles e o Chris deu o baixo dele para outro e deixamos os garotos fazer uma Jam, foi realmente um grand finale!
© Rosanna Alberti & Márcia Conçalves, 1993