LIVE NIRVANA INTERVIEW ARCHIVE January 20–21, 1993 - Rio de Janeiro, BR

Interviewer(s)
Antônio Carlos Miguel
Interviewee(s)
Kurt Cobain
Courtney Love
Publisher Title Transcript
O Globo O verdadeiro retrato de um ícone do rock nos anos 90 Yes (Português)

Depois de seis horas de espera e negociações os repórteres do GLOBO puderam subir até o quarto de Kurdt Cobain, no Intercontinental. Courtney Love passou pelo lobby do hotel, aparentemente para observar se a equipe era confiável para fazer a primeira entrevista exclusiva com o líder do Nirvana no Brasil. Meia hora depois, o segurança levou a reportagem até o quarto de Kurdt. Recém-saído do banho, com aparência doentia, ele confirma que não está passando bem - "estou com uma terrível diarréia". Os temas da conversa teriam que se restringir ao campo musical. Daí, não ter podido conferir se os problemas de Cobain seriam decorrentes do tratamento de desintoxicação de heroína ao qual, segundo a imprensa americana, ele estaria se submetendo. Kurdt foi muito simpático, conversando sem o deboche típico das estrelas do rock. O retrato que fica é de uma pessoa frágil e honesta que, aos 25 anos, foi surpreendido pelo estrondoso sucesso. Uma banda underground de Seattle até o final de 1991, o Nirvana tornou-se, depois do álbum "Nevermind", o centro de atrações da mída mundial. E o primeiro ícone do rock nos anos 90.

O GLOBO - Você e Courtney estão sendo chamados de Sid e Nancy do grunge. O que você pensa disto?

KURDT COBAIN – Não tem nada a ver, não quero falar sobre isto e não gosto nada.

O GLOBO - Então vamos falar de uma curiosidade. Na introdução de "Territorial pissings", vocês cantam um trecho de uma velha canção hippie, "Get together". Uma piada ou uma homenagem?

COBAIN - Ambas as coisas. A idéia surgiu momentos antes de gravarmos a faixa. Não pretendemos ser ofensivos com o sujeito que escreveu a música. A canção fala de as pessoas se juntarem e serem legais umas com as outras. Ideais contrários aos dos homens machões que retratamos em "Territorial pissings" - o título é uma referência ao hábito, entre certos animais, de urinar para demarcar os seus territórios. E achamos que seria bom Chris cantar "Get together" na abertura.

O GLOBO - Você gosta do rock dos anos 60 e dos ideais do movimento hippie?

COBAIN - Sim, muito. Eu, como adolescente, ainda vivi um pouco disso tudo nos anos 70 e foi maravilhoso. A idéia de ser positivo o provocar mudanças na sociedade e no mundo acabou sendo apropriada pela mídia, que transformou tudo isso numa coisa ridícula, caricata. O movimento hippie aconteceu mesmo no ano de 1967, em São Francisco. Mas a sociedade americana ainda viveu a ideologia hippie por mais dez anos, mesmo que de uma forma superficial.

O GLOBO - Você acha que é possível fazer um paralelo entre a música do Nirvana e a dos grupos da fase hippie?

COBAIN - O maior ponto de contato talvez seja exactamente a manipulação por parte da mídia, que já está levando para o ridículo o que a minha geração faz e acredita. A moda, os designers, pessoas que fazem roupas, começam a colocar no mercado camisas como esa que estou vestindo por milhares de dólares.

Cerveja no túmulo de Hendrix

Canhoto apenas para tocar guitarra, Cobain conta que é fã de Jimi Hendrix e do punk rock. Quanto ao seu nome, a grafia correta é Kurt, mas ele assina ultimamente Kurdt e já usou Curt - "escolha o que preferir".

O GLOBO - Com tantos estilos diferentes, é possível se falar de um som de Seattle?

COBAIN - Todo mundo que aprecia música já sabe que estas bandas não soam iguais.

O GLOBO - O Nirvana é influenciado pelo punk?

COBAIN - Sempre quis estar próximo do punk rock, é o meu tipo de música favorito.

O GLOBO - Você concorda que o Nirvana, a exemplo de Hendrix, mistura barulho e peso com grandes canções e belas melodias?

COBAIN - Realmente há muita melodia em Hendrix. Era barulhento, ótimo músico e um grande compositor. Tenho um grande respeito por ele e todo ano vou ao seu túmulo e bebo algumas cervejas.

O GLOBO - A maioria das canções é creditada a você e Chris Novoselic…

COBAIN - Bem, não entendo por que elas são creditadas a ambos. Escrevo 99 por cento das músicas em casa e depois trabalhos em cima no estúdio.

O GLOBO - O que aconteceu no palco em São Paulo?

COBAIN - Nas turnês temos que tocar cada noite as mesmas canções, acaba virando um emprego. Talvez por falarmos outro idioma, o público não tenha entendido a brincadeira. Trocamos de instrumentos e tocamos velhas canções favoritas. Muito mal, obviamente, porque não tínhamos ensaiado nada.

O GLOBO - E o que esperar do show no Rio?

COBAIN - Penso que será maior e sem tantas bobagens. Talvez convidemos todos na audiência para subir ao palco.

O GLOBO - Lembrando Andy Warhol, de que no futuro toda pessoa será famosa por 15 minutos, você gostaria de uma segunda dose?

COBAIN - Oh, meus 15 minutos acabaram. Espero que um monte de bandas que adoro tenha a sua dose. Daria com prazer os meus 15 minutos para qualquer um.

Courtney diz que gosta de briga

Courtney Love finalmente provou ser apaixonada pelo marido Kurdt Cobain. Depois de protagonizar vários escândalos no Brasil, e brigar com Cobain no dia de sua chegada ao Rio, na tarde de quinta-feira no lobby do hotel, ela não parava de abraçar o marido. Courtney é bonita e atenciosa. Sua pele branca e seus cabelos descoloridos ressaltam os seus grandes olhos azuís. Apesar de ter saído correndo com seu segurança para fazer compras - sem antes distribuír autógrafos - ela concordou em responder a algumas perguntas do GLOBO sobre a sua conturbada relação com o marido, e ainda fez questão de mostrar, orgulhosa, uma foto polaroid da filha, a pequena Frances Bean Cobain:

- Ela não é linda? Já está com seis meses!

O GLOBO - É verdade que você vive brigando com Kurdt, como vem sendo noticiado pela imprensa?

COURTNEY LOVE - Não leio os jornais. O que eles andam dizendo? Se eu brigo com Kurdt? Claro, nós brigamos todos os dias! Aí está toda a graça de um casamento.

O GLOBO - Você então considera que tem uma relação normal com Kurdt?

COURTNEY - Somos tão normais que chegamos a ser entediantes. Somos um típico casal. Bastante normais, não há nenhuma novidade nisso. Por que falam essa coisas?

O GLOBO - Por que você está saindo sozinha?

COURTNEY - Vou fazer um pouco de shopping, Kurdt não faz essas coisas.

© Antônio Carlos Miguel, 1993